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Número de professores de creches que fizeram faculdade sobe de 11% para 66% em 17 anos

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

/ por News Paraíba
Alunos de creche municipal em Indianópolis (SP) brincam no gira-gira. — Foto: Marcelo Brandt/G1
Em 17 anos, a formação dos professores que trabalham nas creches brasileiras mudou radicalmente. O mais comum, em 2000, era encontrar docentes que tinham estudado até o ensino médio, sem fazer uma graduação – caso de 66,4% deles. Cerca de 9% não tinham nem terminado o ensino fundamental.

Em 2017, ano do último Censo Escolar, a situação se inverteu: 66,3% dos professores têm diploma de ensino superior. Um terço do total fez, inclusive, algum tipo de especialização.

Segundo estudiosos consultados pelo G1, os dados do Censo, divulgados anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), comprovam uma mudança na forma como a creche é vista: não é um local onde bebês e crianças de 0 a 3 anos recebem apenas cuidados básicos. É mais do que isso: está no sistema educacional e tem funções pedagógicas importantes.

Consequentemente, passa a exigir profissionais capacitados. “A creche promove a possibilidade de um desenvolvimento saudável. Precisa de um programa pedagógico e de boa formação de professores”, diz Beatriz Abuchaim, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. “Ali, a criança vai conhecer o mundo, aprender a se relacionar com pessoas da mesma idade que ela e desenvolver questões cognitivas, como a expressão verbal”, diz.

Cristina Nogueira, coordenadora do curso de pedagogia no Instituto Singularidades (SP), também reforça a mudança de perspectiva em relação à creche. “Ela nasceu como uma instituição de assistencialismo, para ajudar os pais. Depois, com estudos na sociologia, na pedagogia e na psicologia do desenvolvimento, a creche passou a ir além dos cuidados – e a aprendizagem e o bem-estar começaram a ser valorizados nessa fase”, explica.

Apesar dos avanços, há desafios: existem faculdades de pedagogia de curta duração e sem experiências práticas. Os profissionais formados ainda se deparam com salários baixos, salas de aula superlotadas e falta de infraestrutura em determinadas instituições de ensino.

A seguir, especialistas analisam os avanços e os obstáculos para os professores que atuam nessa etapa de ensino.

Até que período esses professores estudaram?

Analisando o Censo Escolar de 2017, é possível afirmar que o Brasil tinha, no ano passado, 273.639 professores atuando em creches, com as seguintes formações:

  • 0,57% deles estudaram até o ensino fundamental
  • 33% cursaram até o ensino médio
  • 66,3% fizeram uma graduação


Na parcela de 181.668 professores com diploma no ensino superior, 75.522 deles continuaram estudando depois de terminar a faculdade. A maioria fez algum curso de especialização (74.478 docentes, o equivalente a 27% do total de professores brasileiros).

Além disso, há aqueles que ingressaram em pós-graduações stricto sensu – 932 cursam ou já concluíram o mestrado (0,3% do total) e 112, o doutorado.

Em 2000, o Censo mostra que a quantidade de professores formados era muito inferior. De um total de 50.224 docentes de creches:

  • 8,96% tinham o ensino fundamental incompleto, ou seja, abandonaram a escola antes do 9º ano (antiga 8ª série);
  • 13,18% terminaram apenas o ensino fundamental;
  • 66,4%, ou seja, a maioria, estudaram até o ensino médio, sem graduação;
  • 11,43% conseguiram terminar o ensino superior.


“Nos anos 2000, houve um movimento de países desenvolvidos pressionarem os demais para promoverem a formação profissional de quem atua na primeira infância. Antes, os chamados pajens (atendentes) tinham essa visão da parte física e biológica”, explica Maria Angela Barbato Carneiro, professora do curso de educação na PUC-SP.

"As crianças ficavam no berço, não havia diálogo na hora do banho. Estudos foram reforçando a necessidade de um profissional que estimulasse o desenvolvimento social, linguístico e afetivo. Por isso, foi crescendo a porcentagem de docentes formados", completa Maria Angela.

No Centro de Educação Infantil Indianópolis, creche da rede pública na zona sul de São Paulo, mais de 90% dos professores fizeram uma pós-graduação. Uma delas é Adriana Sanches, de 47 anos, que atua há 28 anos em escolas públicas e privadas. Ela se especializou em áreas como educação inclusiva, cidadania e psicopedagogia.

“É importante sempre estudar porque a mão de obra precisa se adequar às mudanças da sociedade. Antes, as crianças com deficiência ficavam em casa. Hoje, elas estão nas creches e precisamos saber educá-las. Tenho um aluno cadeirante e, por isso, fui buscar uma especialização na área”, conta.

Outra profissional dessa mesma creche, Lucy Almeida, faz mestrado em educação e saúde na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “A iniciativa para estudar costuma vir dos próprios professores, com apoio da gestão da escola, para conseguir conciliar os horários. A educação infantil exige uma melhor formação. É a fase mais importante da educação básica”, diz.

‘Trabalho em creche e faço doutorado’

A pedagoga Beatran Hinterholz, de 42 anos, é uma das 112 professoras de creches no Brasil que fez ou está cursando o doutorado. Ela trabalha na Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Vó Olga, na cidade de Mato Leitão, a 135 km de Porto Alegre (RS). É o único estabelecimento de ensino com creche no município – que tem aproximadamente 4 mil habitantes.

Beatran tem duas turmas na creche: uma com bebês de 1 a 2 anos e outra com crianças de 3 anos. Ela concilia o trabalho na instituição com o doutorado em educação na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), onde estuda sobre a formação de professores.

“Comecei a trabalhar em creches em 1997, quando não tinha nenhuma formação na área. A educação infantil nem tinha essa denominação ainda – era parte da política de assistência social e não era responsabilidade do Ministério da Educação”, relembra.

“Eu era atendente e fui percebendo, aos poucos, que lidar com crianças exigia preparo. Eu não sabia o que fazer, o que pensar sobre elas. Conseguia só focar no básico, como trocar fraldas e dar as refeições. Não sabia nada sobre o desenvolvimento de cada faixa etária.”

Ela, então, decidiu cursar pedagogia. Em 2014, ingressou no mestrado na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc)– quando estudou sobre infância e educação infantil - e já emendou com o doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que será concluído em 2020. “É difícil conciliar o estudo e o trabalho. Passo minhas férias, minhas noites e meus finais de semana estudando. Levo duas horas para chegar a Porto Alegre e assistir às aulas na universidade”, diz.

Beatran conta que a formação profissional muda a atuação do professor na creche. Desde que passou a estudar, ela tem argumentos para explicar aos pais e à comunidade a importância de brincar com argila e terra, por exemplo. Também consegue perceber como é essencial escutar as crianças e contar histórias.

“Sendo a única creche da cidade, nossa força para defender a infância é muito forte. A gente tenta pensar cada vez mais em formação continuada, para os professores não pararem de estudar”, conta Beatran. “Outro esforço é sempre trazer as famílias para perto da escola.”

Ela conta que não parará de trabalhar na creche após concluir o doutorado. “Preciso da teoria, que aprendo estudando, sempre aliada à prática do dia a dia com as minhas turmas. Uma pedagogia só acadêmica, longe da escola, não leva tanto em conta os desafios e as perspectivas do professor”, diz. “E não quero parar de ver o sorriso das crianças, o encanto a cada descoberta.”

O que a lei diz sobre a formação de professores da creche?

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) passou a estimular que todos os professores tivessem formação em curso superior. Mas, até hoje, o documento permite que, na educação infantil (formada por creche e pré-escola), ainda haja profissionais que tenham estudado até a extinta modalidade “normal” – um tipo de ensino médio no qual o aluno cursava um ano extra para poder atuar em sala de aula.

Mesmo com essa permissão, existe a tentativa de aumentar a porcentagem de professores graduados. Uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) é garantir a todos os profissionais da educação básica, até 2024, a formação continuada.

“Houve um esforço a nível municipal e nacional para que professores que já estivessem atuando na sala de aula, mas sem formação superior, conseguissem estudar”, diz Beatriz, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

A professora Maria Angela, da PUC-SP, explica que a situação varia conforme o estado. “Naqueles com poucas faculdades e escolas distantes, ainda existe essa realidade de profissionais sem formação”, explica. “Mas em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, por exemplo, a rede pública só contrata um professor efetivo que tenha feito ensino superior.”
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