Criados para proteger vítimas, programas sofrem com fragilidades que vão da falta de apoio e baixo orçamento até demora para analisar pedidos
“E agora, o que vamos fazer?” O questionamento desesperado deu lugar ao choro e à agonia da mãe que viu o filho sobreviver após ser alvejado no peito. A mulher, que não pode ter o nome divulgado, vivia na zona leste de São Paulo quando compareceu ao Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, para tentar obter proteção do Estado para o filho de 16 anos, alvo dos disparos.
De acordo com o R7, a resposta ao pedido de inclusão no programa foi negativa. “Eles alegaram que não tinham dinheiro”, afirma o advogado do órgão Dalmásio Gomes da Silva. “A demanda de jovens ameaçados é muito maior do que o que o programa pode abrigar”, diz.
O advogado se refere ao Programa de Proteção à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte em São Paulo (PPCAAM), coordenado pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, que tem como objetivo combater a violência letal contra crianças e adolescentes. “Eles até chegaram a oferecer um abrigo, mas era um local que qualquer um poderia ter acesso a ele”, diz Silva.
De acordo com o advogado, o adolescente de 16 anos, que também não pode ter o nome divulgado, estava conversando com um grupo de pessoas em uma viela do bairro do Sapopemba, em março do ano passado, quando dois homens teriam se aproximado em um carro e atirado contra os rapazes. “Um adulto faleceu, mas o garoto foi para o hospital e resistiu”, afirma Silva. “Suspeitamos que quem atirou faça parte de um grupo de extermínio, mas o caso ainda está em fase de investigação.”
Após ter tido negado o pedido de inserção do filho no programa de proteção, a mãe do garoto ficou sem saber o que fazer. “Ela ficou muito abalada, até que se lembrou que tinha um familiar de confiança no interior do estado”, afirma Silva. “Fizemos uma vaquinha pela região para que ele conseguisse comprar uma passagem para viajar. Ela vendeu a casa em que morava na zona leste para ter dinheiro para viver em outra cidade.” Hoje, mãe e filho vivem em regime de isolamento, porém sem contar com a proteção do Estado. “A falta de recursos é um dos pontos mais preocupantes dos programas. Na grande maioria das vezes que procuramos proteção, obtemos esse retorno”, afirma.
Questionado sobre o caso, o governo do Estado de São Paulo afirmou que para conceder informações precisaria ter o nome da pessoa que requeriu a proteção, mas a reportagem não tem acesso ao nome do adolescente, uma vez que vive sob proteção de líderes comunitários de direitos humanos. A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania disse que atualmente há 48 pessoas sob proteção, relativas a 16 casos.
"Novas solicitações estão sob análise, após dificuldades de atender novos pedidos, em período do ano passado, em razão de atraso no repasse dos recursos financeiros de responsabilidade da União", informou o órgão por meio de nota.
Como funcionam
A proteção oferecida a alguns adolescentes faz parte de um conjunto de três ações distintas: o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçadas (Provita), que possui a versão federal e as estaduais, o de proteção ao adolescente (PPCAAM) e aos defensores ameaçados.
“Eles deveriam formar um sistema, mas só o Provita possui legislação federal”, afirma Fernando Matos, ex-diretor de Defesa dos Direitos Humanos, responsável pelo programa. Criado em 1999 com base em uma lei federal, o Provita está presente em 13 Estados. Para as regiões em que não existe uma atuação regional funciona a versão federal. “As normas de segurança são necessárias e rígidas até para evitar que o programa possa ser objeto de tentativa de infiltração”, diz Matos.
A maior parte dos que recebem proteção do Estado é encaminhada por meio das polícias, do Ministério Público ou da sociedade civil. “A ideia é proteger pessoas que denunciam esquemas de corrupção, tráfico de armas, de pessoas e crimes de alto potencial ofensivo”, afirma Matos.
De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, o orçamento destinado ao Provita é de R$ 12 milhões, mas a previsão do órgão é que, para 2018, chegue a R$ 15 milhões. O valor é utilizado para manter abrigos e dar amparo total aos que se beneficiam da proteção. Os programas do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, porém, dependem integralmente dos repasses federais.
Falhas na proteção
A média de permanência prevista na lei que criou o programa é de dois anos, com a possibilidade de ser prorrogada. Um casal, encaminhado pelo Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, porém, passou uma década no isolamento. E até hoje, contam com monitoramento. Tudo começou com uma denúncia de sequestro de um empresário na região em 2003. Durante uma ação para resgatar a vítima, a polícia entrou em um imóvel e prendeu o casal.
Matheus Vigliar/Arte R7
“A polícia colocou a arma da cara da senhora e quando o marido chegou no local foi levado para a delegacia com ela. Foram torturados para que entregassem o sequestrador e ela foi colocada em uma cela com homens e chamada de vagabunda”, relata o advogado do CDH. “Até que foram levados para o reconhecimento facial pela vítima, que negou qualquer participação deles no sequestro. Não existiam problemas contra eles.”
Desde então, a vida do casal nunca mais foi a mesma. “Ela sempre se queixou do isolamento, dizia que teve de sair ‘corrida’ e nunca mais pode voltar a São Paulo”, diz Silva. “Além disso, ela desenvolveu um câncer.” Ela nunca mais trabalhou como cabeleireira, profissão que exercia em São Paulo e ele, que atuava como vigilante, foi afastado do emprego. Apesar de receber uma espécie de salário, segundo o advogado, não é o mesmo valor de quando trabalhava. “Ela costumava dizer que vive a base do terror, do medo e das más lembranças que vem à memória.”
O isolamento proposto pelo programa é um dos aspectos que mais recebem críticas. O advogado do Condepe-SP (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves, afirma que o programa deveria aproximar a vítima dos familiares para trazer de volta a sensação de conforto e não o contrário.
“A maior preocupação é o vínculo com os familiares. Quando falamos sobre as condições exigidas, a maior parte não aceita ir”, diz o advogado do Condepe-SP. Além disso, também não é ideal que a proteção se estenda por tantos anos. “O programa não é para a vida toda. A ideia é que com o depoimento da testemunha o processo corra mais rápido, mas no Brasil não costuma ter o ritmo que deveria.”
O maior dos entraves, no entanto, é a falta de recursos. “Não existe a lógica de vagas, se a pessoa estiver sob ameaça e se encaixar nos pré-requisitos do programa ela deve ser incluída. O que acontece na prática é que pela falta de orçamento o programa se recusa a receber”, diz Matos. “Como o programa arca com despesas de moradia, educação e despesas do dia a dia a falta de verba afeta o bom funcionamento. Se a pessoa sob proteção não recebe o benefício, pode pensar que o programa está atrasando sua vida e não aguentar o isolamento.”
Outro aspecto apontado como falha do programa é a demora na análise dos encaminhamentos. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, o pedido é recebido pelos Conselhos Deliberativos. Depois, aciona-se a proteção provisória quando há vagas no Serviço de Proteção Especial, é feita uma triagem, com parecer do ministério, entrevista, elaboração de relatório, análise de relatório até a autorização.
“A demora para esse processo acaba atrapalhando muito. Nós que ficamos nas pontas temos que lidar com a situação até que se tenha uma solução”, diz Silva. “Em alguns casos, temos que pensar em soluções emergenciais, como deixar pessoas em nossa casa.”
Segundo o advogado que atua no Sapopemba, cerca de 95% dos casos que deveriam ser encaminhados aos programas de proteção às vítimas e às testemunhas não são feitos por falta de condições dos programas em receber essas pessoas.
“Tem uma parcela significativa de pessoas que precisavam obter proteção, mas não conseguem vagas. E a parcela que consegue chegar se submete a condições de isolamento e recursos insuficientes para viver como antes”, diz. “E quando recebem essa notícia ficam desesperadas.”
Nos últimos anos, segundo o advogado do Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, houve um aumento da procura por ajuda de familiares de jovens mortos em confrontos com policiais.
Em abril de 2018, segundo o Ministério dos Direitos Humanos, 537 pessoas vivem sob proteção nos programas estaduais e federal.
O advogado se refere ao Programa de Proteção à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte em São Paulo (PPCAAM), coordenado pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, que tem como objetivo combater a violência letal contra crianças e adolescentes. “Eles até chegaram a oferecer um abrigo, mas era um local que qualquer um poderia ter acesso a ele”, diz Silva.
De acordo com o advogado, o adolescente de 16 anos, que também não pode ter o nome divulgado, estava conversando com um grupo de pessoas em uma viela do bairro do Sapopemba, em março do ano passado, quando dois homens teriam se aproximado em um carro e atirado contra os rapazes. “Um adulto faleceu, mas o garoto foi para o hospital e resistiu”, afirma Silva. “Suspeitamos que quem atirou faça parte de um grupo de extermínio, mas o caso ainda está em fase de investigação.”
Após ter tido negado o pedido de inserção do filho no programa de proteção, a mãe do garoto ficou sem saber o que fazer. “Ela ficou muito abalada, até que se lembrou que tinha um familiar de confiança no interior do estado”, afirma Silva. “Fizemos uma vaquinha pela região para que ele conseguisse comprar uma passagem para viajar. Ela vendeu a casa em que morava na zona leste para ter dinheiro para viver em outra cidade.” Hoje, mãe e filho vivem em regime de isolamento, porém sem contar com a proteção do Estado. “A falta de recursos é um dos pontos mais preocupantes dos programas. Na grande maioria das vezes que procuramos proteção, obtemos esse retorno”, afirma.
Questionado sobre o caso, o governo do Estado de São Paulo afirmou que para conceder informações precisaria ter o nome da pessoa que requeriu a proteção, mas a reportagem não tem acesso ao nome do adolescente, uma vez que vive sob proteção de líderes comunitários de direitos humanos. A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania disse que atualmente há 48 pessoas sob proteção, relativas a 16 casos.
"Novas solicitações estão sob análise, após dificuldades de atender novos pedidos, em período do ano passado, em razão de atraso no repasse dos recursos financeiros de responsabilidade da União", informou o órgão por meio de nota.
Como funcionam
A proteção oferecida a alguns adolescentes faz parte de um conjunto de três ações distintas: o Programa de Proteção à Vítima e à Testemunha Ameaçadas (Provita), que possui a versão federal e as estaduais, o de proteção ao adolescente (PPCAAM) e aos defensores ameaçados.
“Eles deveriam formar um sistema, mas só o Provita possui legislação federal”, afirma Fernando Matos, ex-diretor de Defesa dos Direitos Humanos, responsável pelo programa. Criado em 1999 com base em uma lei federal, o Provita está presente em 13 Estados. Para as regiões em que não existe uma atuação regional funciona a versão federal. “As normas de segurança são necessárias e rígidas até para evitar que o programa possa ser objeto de tentativa de infiltração”, diz Matos.
A maior parte dos que recebem proteção do Estado é encaminhada por meio das polícias, do Ministério Público ou da sociedade civil. “A ideia é proteger pessoas que denunciam esquemas de corrupção, tráfico de armas, de pessoas e crimes de alto potencial ofensivo”, afirma Matos.
De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, o orçamento destinado ao Provita é de R$ 12 milhões, mas a previsão do órgão é que, para 2018, chegue a R$ 15 milhões. O valor é utilizado para manter abrigos e dar amparo total aos que se beneficiam da proteção. Os programas do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, porém, dependem integralmente dos repasses federais.
Falhas na proteção
A média de permanência prevista na lei que criou o programa é de dois anos, com a possibilidade de ser prorrogada. Um casal, encaminhado pelo Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, porém, passou uma década no isolamento. E até hoje, contam com monitoramento. Tudo começou com uma denúncia de sequestro de um empresário na região em 2003. Durante uma ação para resgatar a vítima, a polícia entrou em um imóvel e prendeu o casal.
Matheus Vigliar/Arte R7
“A polícia colocou a arma da cara da senhora e quando o marido chegou no local foi levado para a delegacia com ela. Foram torturados para que entregassem o sequestrador e ela foi colocada em uma cela com homens e chamada de vagabunda”, relata o advogado do CDH. “Até que foram levados para o reconhecimento facial pela vítima, que negou qualquer participação deles no sequestro. Não existiam problemas contra eles.”
Desde então, a vida do casal nunca mais foi a mesma. “Ela sempre se queixou do isolamento, dizia que teve de sair ‘corrida’ e nunca mais pode voltar a São Paulo”, diz Silva. “Além disso, ela desenvolveu um câncer.” Ela nunca mais trabalhou como cabeleireira, profissão que exercia em São Paulo e ele, que atuava como vigilante, foi afastado do emprego. Apesar de receber uma espécie de salário, segundo o advogado, não é o mesmo valor de quando trabalhava. “Ela costumava dizer que vive a base do terror, do medo e das más lembranças que vem à memória.”
O isolamento proposto pelo programa é um dos aspectos que mais recebem críticas. O advogado do Condepe-SP (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves, afirma que o programa deveria aproximar a vítima dos familiares para trazer de volta a sensação de conforto e não o contrário.
“A maior preocupação é o vínculo com os familiares. Quando falamos sobre as condições exigidas, a maior parte não aceita ir”, diz o advogado do Condepe-SP. Além disso, também não é ideal que a proteção se estenda por tantos anos. “O programa não é para a vida toda. A ideia é que com o depoimento da testemunha o processo corra mais rápido, mas no Brasil não costuma ter o ritmo que deveria.”
O maior dos entraves, no entanto, é a falta de recursos. “Não existe a lógica de vagas, se a pessoa estiver sob ameaça e se encaixar nos pré-requisitos do programa ela deve ser incluída. O que acontece na prática é que pela falta de orçamento o programa se recusa a receber”, diz Matos. “Como o programa arca com despesas de moradia, educação e despesas do dia a dia a falta de verba afeta o bom funcionamento. Se a pessoa sob proteção não recebe o benefício, pode pensar que o programa está atrasando sua vida e não aguentar o isolamento.”
Outro aspecto apontado como falha do programa é a demora na análise dos encaminhamentos. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, o pedido é recebido pelos Conselhos Deliberativos. Depois, aciona-se a proteção provisória quando há vagas no Serviço de Proteção Especial, é feita uma triagem, com parecer do ministério, entrevista, elaboração de relatório, análise de relatório até a autorização.
“A demora para esse processo acaba atrapalhando muito. Nós que ficamos nas pontas temos que lidar com a situação até que se tenha uma solução”, diz Silva. “Em alguns casos, temos que pensar em soluções emergenciais, como deixar pessoas em nossa casa.”
Segundo o advogado que atua no Sapopemba, cerca de 95% dos casos que deveriam ser encaminhados aos programas de proteção às vítimas e às testemunhas não são feitos por falta de condições dos programas em receber essas pessoas.
“Tem uma parcela significativa de pessoas que precisavam obter proteção, mas não conseguem vagas. E a parcela que consegue chegar se submete a condições de isolamento e recursos insuficientes para viver como antes”, diz. “E quando recebem essa notícia ficam desesperadas.”
Nos últimos anos, segundo o advogado do Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, houve um aumento da procura por ajuda de familiares de jovens mortos em confrontos com policiais.
Em abril de 2018, segundo o Ministério dos Direitos Humanos, 537 pessoas vivem sob proteção nos programas estaduais e federal.